Quando a professora os chamou para a sala, F. sorriu. O sorriso do garoto, que vestia uma velha farda bem surrada e bem passada, era puro e sincero. Legítimo sorriso de cinco anos de idade, de alguém que consegue viver o momento sem apresentar no rosto as marcas das dificuldades do passado, tampouco o futuro de dificuldades que o espera. A aula seria diferente, duraria apenas o tempo em que sua mãe permanecia na sala ao lado conversando com diretores do Sindicato sobre a suspensão das aulas.
Educação é direito básico, assegurado tanto pelo ECA quanto pela Constituição. No entanto, naquele dia e até hoje, esse direito está sendo negado a F. e às outras crianças matriculadas na Príncipe da Paz devido a total falta estrutura da escola.
A situação em que a Escola Municipal Príncipe da Paz abriu suas portas esse ano não é apenas precária, causa tristeza e indignação. A sensação é assustadora, é de total desamparo do poder público ou de órgãos fiscalizadores. Salas que esperam crianças de 4 a 10 anos, com carteiras quebradas, paredes imundas, buracos no piso, lascas de madeira e afiadas pontas de carteiras enferrujadas por toda parte. Salas que já eram pequenas, onde mal caberiam 30 alunos, foram divididas ao meio e receberão, em cada uma dessas divisórias, 30 alunos. O pó do cimento no chão e nas carteiras que resiste às inúmeras tentativas das zeladoras para removê-lo com água corrente e panos úmidos, indicando a obviedade de que é inviável haver uma sala de aula para crianças em que a janela de um lado dá para um depósito de cimento e as janelas do outro lado para um depósito de britas e blocos.
Assim como F., o perfil das crianças matriculadas na Príncipe da Paz é de crianças oriundas de famílias muito pobres, que vivem nas beiras, nas margens perversas da nossa sociedade. Algumas dessas famílias, sequer tem o “privilégio” de ser exploradas pelo sistema do capital (recebendo salário mínimo e seguridade social), encontram-se excluídos da ordem vigente, ora por falta de emprego, ora por falta de efetivação dos serviços públicos básicos em seus bairros.
A indiferença com que a SEMED aborda o problema da Príncipe da Paz, gerenciando a precarização para mantê-la em funcionamento, recebendo crianças em um espaço que não tem condições físicas nem para ser depósito de material escolar, nos faz constatar que a prefeita Moema Gramacho conseguiu montar uma excelente equipe política na Secretaria de Educação. Certamente essa equipe garantirá a reeleição de Moema, o que parece não interessar a esses é conseguir o mínimo necessário para que garotos como F. estudem.
O sorriso de F. contrastou com as lágrimas de uma garotinha ao ver sua mãe discutindo com uma funcionária da escola que mantinha os portões fechados e informava que não haveria aula. Ivan, um dos irmãos Karamasov, do romance de Dostoievski, repete que todos os pecados do mundo não valem a lágrima de uma criança. Essa observação, levada a sério, poderia pôr toda a nossa sociedade de cabeça para baixo e os orçamentos públicos se organizariam prioritariamente como rede de atenção e de proteção às crianças.
E ainda vemos na televisão o Secretário querer defende o indefensável. Mas, a culpa seria dele ou de quem o nomeou? Nós meus dezoito anos como docente no município nunca vi tanta ineficiência. Até quando veremos?
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